ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 1 (16)

América do Sul, Brasil,

sexta-feira, 28 de março de 2014

A audiência

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Lia a última publicação do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). As respostas de 42,7% da população pesquisada sugeriam que mulheres que vestem roupas curtas justificam possíveis violências sexuais contra elas mesmas. Tenso e incomodado, adormeci.

Tinha dúvidas se estava sonhando ou estava desperto. Encontrava-me numa audiência judicial (?!). Conhecia os bastidores do caso. Uma menina de uns 20 e poucos anos processava um antigo chefe por assédio. Lembro-me das risadas dos advogados. Quando a mulher chegara ao escritório, antes mesmo de mover a ação, ninguém acreditara nela. Vestida sensualmente, considerada vulgar pelos outros, ela seguira com a causa.

Naquela audiência, o advogado dizia:

- Veja bem, excelentíssimo. Minha cliente está aqui como está em todos os lugares. Livre, vestida como quer. Sim, com roupas curtas e apertadas. Justamente por isso, simplesmente por ser quem ela é, ninguém tem o direito de assediá-la. Ou aderimos de vez à barbárie?

O despertador gritou desesperado. Bah, que sonho louco. Dormi e acordei, apenas? Será? Sei não... Porém, fiquei na esperança de que o magistrado não agisse como os 42,7% que responderam ao IPEA. Que estudasse o caso. Que não fortalecesse a vergonha de ser homem nos dias de hoje.

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