ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

quinta-feira, 6 de março de 2014

Uma catarse chamada carnaval

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Já passava das quatro horas da manhã do primeiro domingo de março. Os Imperadores do Samba iniciavam o seu desfile no Complexo Cultural do Porto Seco. Das arquibancadas seguia a empolgação. Belo samba, uma apresentação contagiante. A dança e a cantoria dos presentes demonstravam que a escola tinha tudo para sagrar-se campeã. Sagrou-se.

Pensava. Pode-se gostar ou não de samba. Assim como de rock, funk, música clássica, futebol ou cinema. Contudo, há um discurso relativamente difundido que aponta ao carnaval uma característica deficitária do povo brasileiro. Uma espécie de farra contínua. O resumo dos males. Quase como se o carnaval indicasse uma falência de valores, esculpida em imoralidades aviltantes. Rasteiras e preconceituosas falácias.

No carnaval, seja competitivo, seja no estilo dos blocos de rua, há uma catarse que experimenta a inversão aberta das barreiras (essas, sim, mais contínuas) colocadas nos excessos que envolvem o corpo. Subsiste uma busca pela liberdade de fantasiar-se, cantar e dançar. Uma liberação da sexualidade sem muitos rodeios. Uma consagração da alegria, num curto espaço de tempo, em contraposição ao cotidiano de tarefas, razões e controles.

Estou nessa com o Roberto DaMatta, antropólogo carioca: “O carnaval cria uma cidadania especial no caso do Brasil. Cidadania que permite andar pelas ruas do centro comercial de nossas cidades com a roupa que quisermos (ou até mesmo sem roupa) e em pleno dia, sem a menor preocupação de sermos atropelados ou vistos por nossos patrões, pais ou amigos aristocráticos”. Ainda (bem).

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