Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Questionar as pessoas, por intermédio de entrevistas de tipo qualitativo, caracteriza uma possibilidade bastante difundida no trabalho dos cientistas sociais. Tecendo variadas considerações, Jean Poupart discorre sobre a temática no seu texto “A entrevista de tipo qualitativo: considerações epistemológicas, teóricas e metodológicas[1]”.
A interrogação em forma de entrevista pode ser entendida de maneiras opostas no escopo da prática sociológica. Por um lado, pode-se pensar que ela traz uma das grandes vantagens das ciências sociais, pois capacita a compreensão acerca daquilo que os próprios objetos de pesquisa enunciam – visto que eles se tratam de seres humanos. De outro, há o sério risco de que se confundam as interpretações dadas pelos atores com a realidade social por ela mesma.
O artigo de Poupart foca nas reflexões sobre as entrevistas, instituídas enquanto instrumento metodológico. O autor analisa três diferentes enfoques: o primeiro, epistêmico e relacionado a uma espécie de ética política; depois, fala sobre um rol de princípios tidos como inerentes ao processo de utilização das entrevistas; e, por último, abordam-se os debates sobre os vieses tangentes às aplicações de entrevistas pelas ciências sociais.
Na tradição subjetivista e, sobretudo, interacionista, a perspectiva dos atores sobre as suas realidades é percebida como fundamento da compreensão da sociologia sobre eles. Assim, nos quesitos epistemológicos, está bem estabelecida a ideia de que as entrevistas constituem um dos mais eficientes meios para apreender o sentido atribuído pelos investigados às suas condutas, bem como as feições com as quais eles representam o mundo e vivem as situações cotidianas. Acrescentam-se os argumentos éticos e políticos, que indicam nas entrevistas “(...) um instrumento privilegiado para denunciar, de dentro, os preconceitos sociais, as práticas discriminatórias ou de exclusão” (POUPART, 2008, p. 220).
Derivando para a parte prática, nota-se que subsistem algumas convicções basilares que sugerem uma boa orientação para uma entrevista de tipo qualitativo. Os entrevistados devem ser instigados a se reportarem satisfatoriamente, sendo que suas falas precisam ser consideradas como válidas. Em suma, salienta-se que a experiência da entrevista visa a obter as melhores colaborações plausíveis aos sujeitos estudados, o que demanda deixá-los bastante à vontade, cativar a confiança deles e estimular que dissertem com espontaneidade e estejam envolvidos no acontecimento. Ações que invistam na empatia, na escuta atenta do pesquisador e na criação e fortalecimento de laços de reciprocidade ajudam na execução das tarefas propostas numa entrevista. Seguindo a fórmula de Erving Goffman, elementos de encenação também podem ser bem-vindos.
Há que se levar em conta, ainda, os vieses que tendem a influir nos estudos que se beneficiam das técnicas de entrevista qualitativa. Pelo menos três tipos podem estar em jogo: aqueles que se referem ao próprio dispositivo da pesquisa, os relativos às interações entre entrevistadores e entrevistados e os que se associam ao contexto investigativo.
Finalmente, Poupart parece ter cumprido com rigor a iniciativa que se propôs. Conseguiu erigir reflexões profundas acerca das inclinações epistemológicas, teóricas e metodológicas intrínsecas às técnicas de entrevista de tipo qualitativo. Nas tendências atuais sobre o tema, Poupart (2008, p. 247) explicita que “(...) os textos dos últimos anos enfatizam preferencialmente o papel dos pesquisadores na produção dos relatos”.
Noutro prisma, todos os debates que enveredam nos caminhos de que as pesquisas nas ciências sociais necessitam produzir conhecimentos polifônicos, que abarquem distintas interpretações de distintos atores, parecem galgar algum espaço também desde o uso das entrevistas de tipo qualitativo.
[1] POUPART, Jean. A pesquisa qualitativa: Enfoques epistemológicos e metodológicos. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
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