ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Pedindo passagem

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O futebol vive um período histórico de sombras. A expressão de Eduardo Galeano faz sentido. Caracteriza bem a inserção do esporte na lógica irrestrita da mercantilização completa. Numa Copa do Mundo como essa que vivemos hoje, no Brasil, vem à tona a magia de jogar bola. Lampejos iluminados ganham espaço. Dentro do campo, o torneio está demais. Incrível. Espetacular. Mas, fora dele, a vida continua.

Se há alguma mudança, ela segue o curso das mazelas já existentes. Aqui, na casa da Copa, milhares de famílias foram removidas por obras que não eram imprescindíveis. Instaurou-se uma espécie de estado de sítio nas zonas centrais das cidades-sedes. O pau tá comendo. A pobreza varrida para baixo do tapete. Está aí, estamos vendo. Basta olhar com agudeza. Verdade é que o país tem condições de abrigar um evento de tamanha magnitude. Porém, verdade é, ainda, que uma nação em dívida eterna com seu povo acaba exibindo as suas feridas. De um jeito ou de outro, nossas brutais desigualdades não passam impunes.

Por outro lado, os russos que estão nos trópicos, por exemplo, não podem esquecer que a sua pátria está envolvida, nesse instante, num conflito violento e de árdua diplomacia com a Ucrânia. A geopolítica pega fogo na região. Os estadunidenses devem recordar que patinam e chafurdam na Guerra do Iraque, mantendo-se atentos aos movimentos do leste europeu, sempre com um viés de cobiça. Todos os europeus equilibrados precisam analisar com criticidade a febre da xenofobia e do racismo operacionalizada pelos votos crescentes na direita fascista para o seu parlamento continental. A lista de durezas não cessará, se inventariarmos com rigor. As desigualdades, as violências e as dominações estão disponíveis a olho nu. Pelo mundo todo.

Não sei se já estivemos mais iluminados, do ponto de vista da qualidade da vida social humana. Não me parece o caso saber agora. Contudo, tanto dentro de campo como fora, as sombras estão com o colete garantido entre o time titular da realidade contemporânea. Mesmo que no banco de reservas o Sol esteja pedindo passagem.

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